segunda-feira, 13 de abril de 2015

Eduardo Galeano

Por José Saramago




Grande alvoroço nas redacções dos jornais, rádios e televisões do mundo. Chávez aproxima-se de Obama com um livro na mão, é evidente que qualquer pessoa de bom senso achará que a ocasião para pedir um autógrafo ao presidente dos Estados Unidos é muito mal escolhida, ali, em plena reunião da cimeira, mas, afinal, não, trata-se antes de uma delicada oferta de chefe de Estado a chefe de Estado, nada menos que As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Claro que o gesto leva água no bico. Chávez terá pensado: “Este Obama não sabe nada de nós quase que ainda não tinha nascido, Galeano lhe ensinará.” Esperemos que assim seja. O mais interessante, porém, além de se terem esgotado As veias na Amazon, as quais passaram num instante de um modestíssimo lugar na tabela de venda às glória comercial do best-seller, de cinquenta e tal mil a segundo na classificação, foi o rápido e parecia que concertado aparecimento de comentários negativos, sobretudo na imprensa, tratando de desqualificar embora num caso ou noutro com certos matizes benevolentes, o livro de Eduardo Galeano, insistindo em que a obra, além de se exceder em análises mal fundamentadas e em marcados preconceitos ideológicos, estava desactualizada em relação à realidade presente. Ora, As veias abertas da América Latina foi publicada em 1971, há quase quarenta anos, portanto, a não ser que o seu autor fosse uma espécie de Nostradamus, só com um hercúleo esforço imaginativo seria capaz de adiantar a realidade de 2009, tão diferente já dos anos imediatamente anteriores. A denúncia dos apressados comentadores, além de mal-intecionada, é bastante ridícula, tanto como o seria a acusação de que a História verdadeira da conquista da Nova Espanha, por exemplo, escrita no século XVII por Bernal Díaz del Castillo, abunda, também ela, em análises mal fundamentadas e em mercadíssimos preconceitos ideológicos. A verdade é que quem pretende ser informado sobre o que se passou na América, naquela América, desde o século XV, só ganhará em ler o livro de Eduardo Galeano. O mal daqueles e outros comentadores que enxameiam por aí é saberem pouco de História. Agora só nos falta ver como aproveitará Barack Obama da leitura de As veias abertas. Bom aluno parece ser. Bom aluno parece ser.

* A partir de O caderno 2: textos escritos para o blog. Setembro de 2008-Novembro de 2009


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